quarta-feira, 27 de julho de 2011

A HISTÓRIA DO RECEPTOR DE RÁDIO CONTADO PELO PRÓPRIO



Em primeiro lugar, permita-me que me apresente.
Meu nome completo, como figura nos grandes tratados técnicos que sobre mim tem escrito é : RECEPTOR DE RÁDIO DE DIFUSÃO SONORA, porem pela extensão da minha dilatada existência, os seres mais próximos, meus queridos ouvintes, me chamam de rádio, simplesmente rádio. Nasci e estou fazendo agora mais de 100 anos e vejam vocês como são as coisas : estava destinado a ser algo parecido com o telefone móvil. Não lhes parece uma vulgaridade?
Afortunadamente para mim, as coisas mudaram, e já vê até onde cheguei.
Porem vamos por partes : Tudo começou quando uns quantos loucos homens da ciência, empenharam-se em projetar um telegrafo que não necessitasse do emprego de cabos ou fios para receptar pontos e traços do Código Morse desde lugares muito distantes, e inclusive desde o mar.
E conseguiram sim senhor; e chamaram o invento de telégrafo sem auxilio de fios, ou algo assim. Porem não se conformaram com isso, os celebros bem pensantes seguiram bem pensando (que por isso são cientistas), e pensaram, se somos capazes de transmitir pontos e traços, poderíamos fazer o mesmo com os sons?
Dito e feito, puseram as mãos a obra.
Pois o telefone que já estava inventado nesta época, vejam vocês por onde, também necessitava de enfadonhos e incômodos fios e cabos para unir entre si dois interlocutores, e apenas conseguia transmitir sons em dois sentidos.
E se conseguise transmitir sons em duas direções através do éter?
Recordo-me de haver escutado de um velho professor de Física : “ A que se falar do espaço”, o problema estava a ser resolvido; e o resolveram , sim senhor.
Porem a coisa não parou por ai, não.
O telefone com fios ou sem fios , permite a comunicação entre as pessoas, porem? ... se projetasse-mos um sistema que consiga que uma voz ou um som seja escutado a distância com muitíssimas pessoas por vês?.
Ai foi quando eu apareci, o penúltimo elo de que os comunicadores chamam de cadeia comunicativa, da qual você, meu querido ouvinte é o destinatário, desde aquele dia em que, como diziam aquelas antigas campanhas publicitárias “ coloque um rádio em sua vida para ter alegria em seu lugar”.
No principio, meus circuitos, minhas tripas (quantas vezes senti a ação daninha dos destripadores que aprendiam as minhas custas), ou para ser moderno, meu hardware diriam os informáticos, eram muito sensíveis e sobre tudo ecológicos, o meu querido ouvinte, leitor, tem lido, bem certo, eu disse ecológico : fixe-se uma simples bobina de fio de cobre, um auscultador (hoje auricular), e uma pedra de galena eram suficientes para levar a qualquer canto os sons que se produziam a kilometros de distância, ... e tudo isso sem consumir energia elétrica nenhuma. Então me chamaram de rádio galena, e, para variar deixaram apenas galena.
Para dar a partida naqueles anos era divertidíssimo, pois era necessário ir tocando uma pedrinha de galena com uma espécie de agulha (que as vezes parecia um bigode de gato), ate conseguir escutar algo através dos auriculares negros, como esses que seguramente terás visto em algum filme antigo, posto em forma de coifa sobre a cabeça das operadores de telefones. Imagine esta cena : plano geral de uma mesa em uma sala de jantar, em torno da qual seis pessoas, com seus respectivos auriculares colocados, estando em absoluto silencio, observavam o “expert”, que cutucava a pedra de galena, ate que de repente, todos num sobressalto soltavam um, ahi! ahi!, e tornavam a ficar quietos novamente, porem agora escutando música e noticias vindas de muito longe . eram os anos 20. Já passou muita água por baixo da ponte desde então, também temos que reconhecer que ultimamente, que houve algumas secas. Porem a ciência adiantava-se uma barbaridade (quantas vezes já vibraram os cones dos meus alto falantes, e das membranas dos auriculares com as vozes dos locutores e cantores famosos, e chegam as válvulas termiônicas, as válvulas, para entender-mos melhor, que a parte de colocar um pouco de calor em meu interior, permitiam escutar mais alto e mais claro aquelas vozes que chegavam de tão longe.
Os auriculares foram substituídos por uma espécie de trombetas ou buzinas que permitiam escutar as emissões em toda a casa, sem o emprego das antiestéticas coifas de auscultadores (hoje auriculares).
O galena desapareceu, e para sintonizar bastava girar um simples botão.
Meus circuitos alimentavam-se com baterias cheias de liquido acido, que punha tudo a perder, e tinha que recarregar periodicamente. Novo problema que teve que ser resolvido.
A solução chegou com a implantação progressiva da rede elétrica por fios, que permitiu que um simples cabo elétrico me fornece-se a energia necessária para colocar-me em funcionamento; no interior e nas partes das cidades que não havia corrente elétrica, me alimentavam com pilhas ou baterias cada vês mais modernas.
Com tudo, eu não era mais que uma serie de válvulas e alguns botões colocados dentro de uma caixa de madeira.
Qualquer relação com conceitos estéticos não passava de pura e mera coincidência; vemos que tinha pinta de artefato.
Menos mal que alguém pensou e assim começaram a projetar-me como um móvel, no qual colocaram meus componentes. Com o fim de não romper com os primeiros projetistas, que eram muito conservadores, digo que basearam-se na estética do meu avo, o gramofone, afinal, eu era similar : tinha um sistema que captava sons (como a cápsula do gramofone), e outro que os reproduzia (um alto falante que tinha a forma de buzina, como o gramofone), porem pouco a pouco as coisas foram mudando. Começaram por ocultar minhas válvulas, fechando minhas entranhas em um chassis metálico que ate tinha chave. A buzina foi modernizando-se pouco a pouco, foi-se transformando em um alto falante muito parecido com os de hoje em dia e era colocado a parte, como um sonofletor de um equipamento HI-FI atual.
Já nos anos trinta, meu alto falante foi incorporado no mesmo móvel com o resto dos meus componentes, aproveitando desta forma as propriedades acústicas do recinto, que melhoraram consideravelmente a audição. Para que o som passasse livremente, e o pó não penetra-se livremente recobriram com um tecido caustico não absorvente com relação ao som, com projetos especiais para as principais marcas. Para decorar meus móveis empregaram todos tipos lacas e vernizes, embelezadores dourados e prateados, luzes que iluminavam a escala graduada na qual sintonizava-se as distintas emissoras....
O móvel adquiria formas das mais variadas, retangulares, em forma de lapide, de arco romântico ou gótico, ( então de capelinha me chamavam), quadradas ou de outras formas mais complicadas. Inclusive os americanos que são muito patriotas projetaram caixas com a figura do Mickey, e com o edifício Empire State.
Os meus ouvintes de antigamente gostava, como vocês, de navegar, pêlos caminhos do rádio; para isso eles deslocavam ou giravam uma agulha sobre um cristal iluminado, que chamaram de “dial”, sobre o qual apareciam os nomes das distintas estações mundiais.
As pessoas chamavam de escalas falantes que lhes permitiam sonhar : que essa musica, ou essa voz que escutavam, quase sempre no período da noite, procedia de Paris, Hannover, Londres etc., nos trazia noticias da Europa imersa em plena guerra.
Nos anos quarenta e cinqüenta, vivi minha época de esplendor. Meus circuitos aperfeiçoaram-se, pois com tantas emissoras resultava difícil separar uma da outra, e a técnica teve que fazer seu serviço. Os meus primitivos projetos, que com certa vergonha reconheço, produziam ruídos e sibilados em demasia, porem isso não foi o pior, : esses ruídos adentravam nos receptores dos vizinhos e interferiam a sua própria recepção : “Vizinho você esta interferindo no meu rádio” gritava na porta da rua. Se a reação ou a realimentação era o principio em que baseava-se o meu funcionamento e tinha seus inconvenientes.
Na corrida houve a construção de circuitos mais perfeitos, participaram as mais importantes marcas internacionais, dois terminaram como finalistas. O sistema de radiofreqüência sintonizada ou a superindutância e o superheterodino que resultou como o ganhador.
As estações que eu recebia naqueles anos eram emitidos da Europa e Estados Unidos nas bandas de ondas longas, ondas médias, ondas curtas.
Eram transmissões com suficiente alcance, porem, tinham um problema serio, a qualidade musical que era oferecida era escassa. A técnica supostamente dando um novo passo tecnológico, deu um passo para traz, com a finalidade de recuperar um sistema de transmissão que já estava inventado, porem em desuso, a modulação em freqüência, o FM. Eram os últimos anos da década de cinqüenta, e algo importante estava a ponto de ocorrer. Porem antes de prosseguir, vamos recapacitar um pouquinho.
Ate este momento, meu aspecto e meu hardware foi-se diversificando-se, adaptei-me aos automóveis, convertendo-me desta maneira em fiel companheiro de viajem.
E não era fácil conseguir escutar-me com clareza dentro daqueles grandes e ruidosos veículos.
Também me fiz portátil, ate agora desde a perspectiva que me dão os anos, posso esboçar um sorriso recordando aquelas pesadas armações, que chamavam de portáteis porque simplesmente colocaram umas alças e em certas ocasiões uma capa protetora.
Pouco a pouco meu tamanho reduziu-se e posso acoplar-me mais próximo de vocês, estimados ouvintes, comecei a ocupar um lugar no seu criado mudo, e na sua cozinha (nem posso imaginar como acumulava-se gordura no meu interior.
Porem aquelas, longe de ser prejudicial, atuava como conservante e protetor da minha estrutura; Parece incrível como podia colocar cinco válvulas em um espaço tão reduzido.
Por outra parte, minha fabricação em serie sofreu uma importante modificação em estes anos.
A madeira, componente principal do móvel que me continha, começou a ser substituída por uma pasta escura, dura, moldável e resistente ao calor chamada de baquelita, mais tarde de plástico.
Desta maneira, mediante um simples moldado, era possível obter receptores clonicos, pois se você, se da conta, não existem aparelhos feitos em madeira inteiramente idênticos, varia o tom do verniz, o desenho da madeira...
Porem com o baquelita ou de plástico tudo é diferente. Ademais os de baquelita ou plástico podem ser pintados, e o meu aspecto adaptou-se aos novos tempos.
Assim estavam as coisas, quando puseram-se a transmitir em Freqüência Modulada, ou FM, eu tenho a certeza de que você o conhece.
Claro esta, eu fui pego de surpresa, pois meus circuitos de então não permitiam receptar tais estações já você verá como esse processo voltará a repetir-se dentro de alguns anos.
Como os bolsos da população não estavam preparados para renovar o parque de receptores pré existentes em nosso pais, pois em principio foi ditadas normas que obrigavam a que os novos receptores estivessem adaptados para a recepção em Freqüência Modulada, foi fabricado um aparelho chamado “fremodino”, um pequeno rádio que somente servia para sintonizar em FM, e que, devidamente conectado nos meus circuitos, permitia escutar pelo meu alto falante as ditas estações.
Passaram os anos e estávamos nos últimos anos cinqüenta, quando foi produzido um descobrimento importantíssimo que iria revolucionar o mundo da eletrônica, e com ele a minha tecnologia.
Nascia o Transistor. Um dispositivo de pequeno tamanho, capaz de realizar as mesmas funções que as minhas válvulas, porem a frio e com um consumo de energia muito baixo. Em poucos anos, nos primeiros dos sessenta, já circulavam por todo o mundo os primeiros receptores transistorizados, os receptores a transistores, eram tão pequenos que podiam ser levados no bolso.
Funcionavam com pilhas, de voltagens distintas segundo o tamanho do aparelho e tinham um som característico, muito distinto ao que se produzia com válvulas termiônicas, porem aceitáveis para o fim em que foram projetados, agora eu posso ir com você a onde queiras, de passeio, no futebol, em sua viajem ou na tua mesa do escritório.
Os transistores incorporaram-se a meu hardware, começaram a fabricar-me em todos os tamanho imagináveis, capazes de funcionas ligado na rede elétrica como com pilhas, com conexão para auriculares com a finalidade de não molestar o próximo.... porem a revolução continua em marcha, e havia que seguir adaptando-se aos novos tempos. Meu futuro como aparelho a válvulas estava próxima do final, prosseguia a fabricação de aparelhos a válvula, pois a qualidade do som produzido era muito superior ao dos transistores... porem com o fim da década de sessenta, meus circuitos perderam o calor ao ser substituídos definitivamente pêlos frios transistores.
Com tudo isso, a Televisão já me havia deslocado da minha área de preferência na sala da casa, já tinha sido descoberto gravador de fitas cassete. Por isso rapidamente incorporaram o gravador de fita cassete a minha estrutura, e nascia o rádio cassete, gravador que para variar , chamou-se popularmente de radiocassete, e adotou todas as formas havidas e por haver, projetaram modelos para os automóveis, outros com alto falantes separados para se ouvir melhor as transmissões ou gravações estereofônicas, miniaturas para que me levassem preso a cintura, o walkman que já é bem conhecido; meus circuitos aperfeiçoaram-se, o dial transformou-se em digital, e tem vida própria, pois a transmissão em Freqüência Modulada permite que enviem-se mensagens da estação, mediante o Radio Data System o RDS. Também os reprodutores de discos compactos (CD), os “mini disk”, e os reprodutores de MP3 incorporaram-se a minha estrutura, estrutura da qual hoje sou uma parte, porem essencial, já que sou a única que funciona livre, não necessito de discos nem fitas para acompanha-lo apenas com o meu som, como antes e como sempre.
Um dia destes estávamos caminhando, e levando-lhe as ultimas noticias, quando pouco depois do meio dia meus circuitos sobressaltam com uma noticia que me afetava mais do que diretamente. Acabaram de outorgar as primeiras licenças para a nova radiodifusão digital, Digital Audio Broadcasting o DAB.
De novo me senti vivo, agora, de novo, terão que adaptar novamente todos os meus circuitos para permitir a você, amigo ouvinte, sintonizar as novas estações; dizem por ai que, durante um longo tempo continuarei com as minhas queridas bandas de AM e FM, creio que este é o principio do seu fim. O futuro, o meu futuro, acaba de chegar, porem longe de ser negro, possui excelentes perspectivas.
Haverá que substituir a agulha do “dial”, por estes estranhos menus interativos, como os da WEB da Internet, para escutar o que desejas a cada momento, agora serei para você um rádio a lá carte, e seguirei, como sempre, a seu lado, sem pedir-lhe, como sempre, nada de retorno.

Mário Keiteris - PY2 M X K
Na esperança de que o presente artigo seja do agrado de todos espero seus comentários, críticas ou sugestões, pôr agora despeço-me com um forte e cordial 73.