quinta-feira, 22 de outubro de 2009

PROPAGAÇÃO TRANSEQUATORIAL - T.E.P.


1 - INTRODUÇÃO
A maioria dos modelos ionosféricos considera a ionosfera como uma série de camadas horizontais que variam apenas lentamente com o tempo e a posição geográfica. As modalidades da propagação que são baseadas em tal modelo são chamadas modalidades normais da propagação. Entretanto, a ionosfera real não obedece sempre a este modelo simples, particularmente nas regiões equatoriais e polares. As anomalias que existem nestas regiões causam o que são chamadas de "modalidades incomuns da propagação". As características da ionosfera que causam estas modalidades incomuns incluem a região E-esporádica, os realces equatoriais de ionização, as inclinações ionosféricas no crepúsculo e as irregularidades ionosféricas tais como o espalhamento equatorial em F.

Duas características principais da ionosfera equatorial causam os fenômenos conhecidos como propagação transequatorial ou TEP.


2 - PROPAGAÇÃO TRANSEQUATORIAL
Os operadores de rádio militares e amadores nos anos de 1940 podem ter sido os primeiros a descobrir que era possível se comunicar do norte ao sul e vice-versa através de distâncias intercontinentais além do equador usando freqüências na faixa do VHF (QST, outubro 1947). Às vezes com um número elevado de manchas solares, a camada F2 pode suportar modalidades normais até 45 MHz, mas freqüências consideravelmente mais altas do que esta foram encontradas utilizáveis em circuitos transequatoriais. Embora fosse feito uso deste fenômeno, esta denominação não foi usada até que décadas mais tarde a modalidade real da propagação fosse determinada.

Os radioamadores reconheceram logo a TEP como uma modalidade digna para se trabalhar. As primeiras comunicações de grande escala em TEP ocorreram provavelmente em torno de 1957-1958 durante o pico do ciclo solar 19. Por volta de 1970, pico do ciclo 20, muitos contatos de TEP foram feitos entre radioamadores australianos e japoneses. Com a ascensão do ciclo 21 que começa por volta de 1977, os contatos amadores por TEP foram feitos entre Grécia/Itália e África do Sul (África do Sul, Rhodesia e Zimbabwe), e entre as Américas Central e do Sul.

Observou-se claramente que haviam dois diferentes tipos de TEP que poderia ocorrer:
O primeiro tipo ocorreu durante o final da tarde e nas primeiras horas do anoitecer e era geralmente limitado às distâncias abaixo de 6000 km. Os sinais propagados por esta modalidade foram limitados à faixa baixa do VHF (< 60 MHz), eram de alta intensidade de sinais e sofriam distorção moderada (devido à propagação por múltiplos caminhos). As comunicações de voz em SSB eram possíveis com esta modalidade.

O segundo tipo de TEP ocorreu por volta de 1900 a 2300 horas locais. Os contatos foram feitos em 144 MHz, e às vezes muito raramente em 432 MHz.

A intensidade do sinal era moderadamente elevada, mas sujeito a rápidos e intensos fadings, fazendo do Código Morse (CW em faixa estreita) a única modalidade possível de comunicação. Um radioamador descreveu a qualidade do sinal nas seguintes palavras: "nós tentamos SSB mas havia assim muita distorção que nem uma única palavra poderia ser identificada [esta modalidade, SSB] tem muitas vibrações, fading e ... mesmo o morse vinha com um ruído parecido com um sopro, não como um tom nítido" (do Dawn of Amateur Radio in the UK and Greece por Norman F Joly).


3 - A IONOSFERA EQUATORIAL
Por conveniência, a ionosfera pode ser dividida em três zonas para as finalidades de caracterizar seu comportamento: a zona equatorial, a zona temperada e a zona polar. A ionosfera temperada é, como seu nome implica, "melhor comportada". É também melhor estudada, porque a maioria das sociedades tecnológicas do mundo ficam situadas nesta área (ao menos no hemisfério norte).

Comparado à zona temperada, o sol é situado diretamente acima da zona equatorial, e assim nós devemos esperar encontrar freqüências críticas ionosféricas mais elevadas do que na zona temperada. Nós podemos também esperar encontrar uma variação menor da ionosfera com as estações (uma vez que essencialmente os trópicos não têm um verão e um inverno bem definidos). No outro extremo, nós esperaríamos a ionosfera polar sendo menos densa (por causa do alto ângulo de zênite solar), e mostrar grande variação entre o verão e o inverno. Embora estas expectativas sejam essencialmente verdadeiras, não explicam muitas características interessantes destas regiões. E a região F, a mais importante da ionosfera, não obedece sempre estas suposições razoáveis.

As ionosferas polares e equatorial são sujeitas a uma escala mais ampla de comportamento normal e inesperado. A ionosfera das latitudes elevadas foram objetos de estudos intensivos antes e durante o Ano Geofísico Internacional (IGY 1957-8). Uma das causas principais do comportamento inesperado é o campo magnético da terra. Nas regiões polares, as linhas do campo magnético são quase perpendiculares à superfície da terra, enquanto na região equatorial, as linhas do campo magnético são horizontais à superfície da terra no equador magnético. (Nota: para confundir "o quadro" ainda mais, os equadores geomagnético e geográfico geralmente não coincidem, e podem ter até 12 graus de separação. Em longitudes asiáticas o equador geomagnético está acima do equador geográfico, enquanto em longitudes americanas está abaixo.)

A característica mais interessante da ionosfera tropical é a região normalmente chamada de anomalia equatorial. Historicamente, este nome surgiu porque o pico da ionização não era esperado. Ele é presente desobedecendo os modelos simples para latitudes médias que os povos tinham planejado para a ionosfera. Agora, quando nós sabemos melhor o que causa as cristas de ionização, o velho nome ainda hoje é furado. Este é o lugar onde uma concentração elevada de elétrons é observada em cada lado do equador magnético em latitudes magnéticas em tono de 10 a 20 graus. Estas cristas de ionização causam freqüências críticas ionosféricas mais elevadas (foF2) do que existem no equador geomagnético. Estão também em alturas mais baixas do que está o pico da região F no equador geomagnético.

A anomalia equatorial é causada pela ação combinada de campos elétricos e magnéticos. Quando o sol situa-se alto, cria uma ionização intensa na região, o campo elétrico começa mover estas cargas. O campo magnético (que tem efeito somente em cargas móveis) faz então com que elas amontoem-se acima.

Finalmente, as partículas espalham-se para fora, seguindo o campo geomagnético para baixo onde cruzam a região F normal. Este processo começa imediatamente depois da alvorada e no meio da tarde o acúmulo na ionização está claramente presente e persiste até após o por do sol, quando a ionização não mais é produzida pelo sol.

Durante as primeiras horas do anoitecer, quando o realce da ionização diminuir, vastas regiões irregulares de ionização podem ser formadas por processos dinâmicos. Acredita-se geralmente que uma instabilidade começa baixo na ionosfera, cresce e propaga para cima. Estas irregularidades são sopradas ao redor por ventos ionosféricos, dispersam, e pelas horas da manhã, desapareceram na maior parte. Geralmente, as irregularidades da ionização podem ser vistas em uma ionosonda como engrossamento ou espalhamento do traço da região F2. Isto é referido tanto para escala ou para freqüência propagada (dependendo do mecanismo envolvido, às vezes é difícil separar os dois). Todo espalhamento é acreditado ser devido às irregularidades da ionização na ionosfera. Estas irregularidades, que (ao menos na ionosfera equatorial) ocorrem somente nos períodos noturnos, geralmente começam formar-se nas horas da noite como um distúrbio no fundo da ionosfera e crescem então para cima. Elas podem ser em forma de plumas de expansão, e/ou como bolhas de pequeno tamanho ou bolsos.

Estas formas são alinhadas com as linhas geomagnéticas do campo (e são assim referidas freqüentemente como irregularidades alinhadas ao campo [FAI]).
Estas plumas, tubos, bolhas ou bolsos dão forma a furos, "biteout" na ionização local e as ondas de rádio são refratadas por estas descontinuidades na ionosfera. Estas irregularidades afetam não somente a propagação de rádio HF mas podem também causar cintilações nos satélite da banda-L (banda baixa de microondas) aos sinais transionosféricos à terra.

A anomalia equatorial e as irregularidades são usadas para explicar a propagação transequatorial.


4 - aTEP [AFTERNOON TEP] (TEP DA TARDE)
A propagação transequatorial da tarde é acreditada por uma super modalidade de F (designada FF), em que o sinal do transmissor é refletido primeiramente pela concentração da ionização em uma das cristas da anomalia equatorial para a segunda crista no hemisfério oposto. Dela é refletido para baixo à estação de recepção em terra. Não sofre assim nenhuma reflexão à terra (como é o caso na modalidade 2F normal), e passa também pela região de absorção D somente duas vezes (em vez de 4 vezes para a modalidade 2F).


Estando o raio intermediário entre duas porções da região F, o ângulo de refração na ionosfera pode ser substancialmente menor do que para um raio refletido de volta à terra. Isto implica por sua vez que uma freqüência mais elevada pode ser refletida (fr=foF2*sec(i)). Aqui i é o ângulo de incidência na ionosfera, e como este aproxima de 90 (o ângulo de refração g=90-i tende a zero), a máxima freqüência refletida possível (fr) torna-se maior. Uma outra maneira de dizer isto é que o fator do obliqüidade do circuito é mais elevado. O menor ângulo de refração também é possibilitado porque a maior ionização na crista da anomalia segue as linhas do campo magnético e inclinado ligeiramente para cima do equador.

A elevada intensidade do sinal observada para a aTEP é devido ao número menor das passagens pela região D, e porque as cristas da anomalia suportam a propagação dos sinais com uma escala mais ampla de ângulos de elevação do que as modalidades usuais da propagação, a distribuição da ionização na anomalia equatorial tende a focalizar estes ao longo do trajeto.

As características da aTEP são:

Máxima Freqüência Utilizável (MUF) de até aproximadamente 60 MHz, que é geralmente em torno 15 a 25 MHz acima da freqüência da modalidade 2F para o mesmo trajeto.
Ocorre por volta das 1500 a 1900 horas local. Prevalece mais em épocas próximas aos equinócios e em tempos de elevado número de manchas solares.
Os comprimentos de trajeto típicos serão 5000 a 6500 km.
Os sinais serão normalmente fortes com fading limitado e com distorções (por multi-encaminhamento ou espalhamento Doppler).

5 - eTEP [EVENING TEP] (TEP DO ANOITECER)
A propagação transequatorial do anoitecer geralmente suporta freqüências muito mais elevadas do que a aTEP e tem, em ocasiões raras, sido relatada na faixa de freqüência amadora de 432 MHz (UHF baixo). A eTEP do anoitecer é correlacionada fortemente com a existência da faixa de espalhamento, chamada de espalhamento equatorial de F, vista em ionogramas equatoriais.
A eTEP também não é compreendida assim como a aTEP mas acredita-se ocorrer através de uma galeria ou de uma modalidade campo-guiado que confie na existência das bolhas, dos tubos ou das plumas ionosféricas que têm uma concentração de elétrons mais baixa do que a área circunvizinha. Os raios são refletidos das superfícies das paredes da bolha, em todas as vezes que permanecem dentro da ionosfera até que mergulham finalmente em um trajeto para baixo de volta à terra.

As características da eTEP são:

Ocorre por volta de 2000 a 2300 horas locais, e é mais freqüente em torno dos equinócios e especialmente em épocas de número elevado de manchas solares.
Embora as intensidades do sinal sejam elevadas, o sinal é sujeito a fading profundo e rápido e à distorção muito forte (dos multiplos-encaminhamentos e dos grandes movimentos de Doppler). Espalhamento de Doppler de até 2 kHz foi observado em um sinal de CW.
Os comprimentos de trajeto podem variar de 3000 a 8000 km.
As freqüências suportadas são mais elevadas do que para a aTEP e podem muito ocasionalmente entrar na banda baixa do UHF.


6 - DIAGNÓSTICOS PARA TEP
Não é ainda possível predizer a ocorrência de TEP com nenhuma certeza, assim mais investigações nestas circunstâncias da propagação são exigida.
Nós sabemos algumas condições necessárias para TEP, mas nós sabemos também que estas não são suficientes para se assegurar de que uma TEP ocorra. Algumas destas são:

Para a sustentação da freqüência mais elevada, o circuito deve ser simétrico em relação ao equador geomagnético. Isto é, o receptor e o transmissor devem estar situados em distâncias iguais do equador magnético.
O trajeto deve estar dentro de aproximadamente 15 graus geomagnéticos ao norte ou ao sul.
A taxa de ocorrência é maior em torno dos equinócios.
A taxa de ocorrência é maior às vezes em torno do máximo do ciclo solar. Este é um período de emissão mais elevada de raios solares EUV (que conduzem a uma ionização ionosférica mais intensa).
A taxa de ocorrência diminui enquanto a freqüência do circuito aumenta.
A escala de espalhamentos em ionogramas equatoriais parece ser necessária mas não é uma condição suficiente para uma eTEP. Entretanto, isto depende provavelmente da localização da estação.
Quanto mais elevada a região F2 sobre o equador geomagnético mais elevada a taxa de ocorrência de TEP. De fato, este é pensado ser uma das melhores previsões para a eTEP.
Quanto mais distantes as cristas da anomalia equatorial estão do equador geomagnético maior a probabilidade de estar presente uma aTEP. Esta geometria favorece o realce da modalidade FF.
As circunstâncias geomagnéticas quietas parecem favorecer o desenvolvimento de irregularidades ionosféricas, e assim uma eTEP. Uma periodicidade de 27 dias foi notada em alguns trajetos (relacionados provavelmente à atividade geomagnética de origem solar). Para freqüências mais elevadas do circuito, mais importância parece ter as circunstâncias geomagnéticas quietas. (Nota: os distúrbios geomagnéticos são geralmente mais presentes e mais intensos em torno dos equinócios, e assim nós temos duas circunstâncias opostas).
Note que alguns dos diagnósticos acima são para aTEP mas muitos se relacionam à eTEP.


7 - BEACONs APROPRIADOS PARA INVESTIGAÇÕES DA TEP
O beacon ideal para investigações de TEP é um transmissor da onda contínua (CW). Isto permite que as medidas de intensidade de sinal, do deslocamento de doppler e da propagação, sejam feitas sem quaisquer fatores de confusão introduzidos pela modulação do sinal. Falhando um beacon de CW, um transmissor de AM é o melhor substituto, porque a portadora é uma freqüência fixa e relativamente constante em potência (embora a potência total irradiada possa ser constante, a relação da energia espalhada através da portadora e das bandas laterais pode mudar).
Um transmissor de FM não é normalmente apropriado como um beacon de TEP (embora a potência irradiada total seja constante, esta é espalhada sobre uma larga escala de freqüência [por exemplo 250 KHz ], e não há nenhum pico de energia na freqüência da portadora nominal quando uma modulação significativa está presente).

A lista dos beacons australianos mostrada abaixo foi escolhida como candidatos potenciais para investigações de TEP Austrália-Japão.


Nota: esta tabela foi apresentada para manter as características originais do documento ora traduzido, que tem sua origem no IPS - Austrália, e fornece freqüências para investigação de TEP entre a Austrália e o Japão. Para nós, aqui no Brasil, estas freqüências são inválidas para tal finalidade uma vez que uma TEP aqui ocorreria entre o Brasil e a América Central.

8 - PARA INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
F McNamara, The Ionosphere: Communications, Surveillance, and Direction Finding,
Kreiger (Orbit Books) 1991, ISBN 0-89464-040-2.



Material preparado por John Kennewell e por Phil Wilkinson.
Copyright por IPS Radio & Space Services - Sydney, Australia.
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Para acessar o documento original:http://www.ips.gov.au/Main.php?CatID=8&SecID=5&SecName=Other%20Topics&SubSecID=3&SubSecName=Radio%20Communication